Lá e de Volta Outra Vez
Agora sim um novo O Senhor dos Anéis digno de merecimento
Des de que a trilogia O Senhor dos Anéis encerrou em 2003 com O Retorno do Rei, não faltou palpites sobre qual adaptação ocuparia o espaço deixado pela Terra Média mitológica de Tolkien, onde uma certa As Crônicas de Nárnia ousou pisar, mas sem dúvida a merecedora de tal sucessão não podia deixar de ser a fonte, ainda pouco apresentada, da própria criação. Narrado numa leitura dinâmica e menos densa que O Senhor dos Anéis, O Hobbit é o romance que antecede a saga do anel adaptada para as telas por Peter Jackson em 2001, e que deixou fans novos e antigos carentes de novas aventuras. Restava saber se o universo tolkiano ainda tinha o que oferecer ao cinema, e a resposta é mais do que óbvia. Quem já leu ao menos um livro de O senhor dos Anéis sabe que a criatividade de Tolkien é uma fonte inesgotável e nem de longe todos seus elementos puderam ter seu encaixe merecido em três filmes, o que no caso de O Hobbit o problema foi justamente o inverso. Enquanto os três últimos filmes tiveram suas histórias mutiladas, modificadas e condensadas sem trazer prejuízo à saga, O Hobbit peca por esticar uma trama razoavelmente ligeira num filme de quase três horas, e que ainda vai além; em dezembro desse ano será lançado A Desolação de Smaug, e em 2014 o desfecho Lá e de Volta outra Vez.
A direção foi inicialmente cogitada para Guillermo del Toro (O Labirinto do Fauno), mas acabou ficando a cargo novamente de Peter Jackson para alegria dos fans puristas das últimas adaptações, e os dois assinam o roteiro em conjunto com Philippa Boyens. A ideia é repetir ou superar o sucesso da trilogia anterior, daí a necessidade de converter a história em três longos filmes reproduzindo-a da maneira mais fiel possível e o uso de novas tecnologias, onde a Weta Digital se mostra mais infalível que nunca, com uma projeção em 3D que seria conveniente já em A Sociedade do Anel (2001), embora essa mesma tecnologia tenha sido criticada por obrigar o filme a praticamente funcionar subordinado a ela, e uma filmagem atraente em 48 quadros por segundo, quando o normal seria 24. A ambientação do Condado é apresentada em riqueza de detalhes, a sequencia onde Bilbo corre pelos campos em busca de seus novos amigos é um prodígio à parte, assim como a recriação de Valfenda, nos devolvendo o gostinho dos filmes anteriores ainda mais acentuado, um presente para os fans. Nova Zelândia continua sendo o principal palco das filmagens. Assisti-lo numa tela Imax torna o filme uma experiência cinematográfica completa nos dias atuais, infelizmente ainda são poucos cinemas brasileiros que oferecem essa tecnologia, mas o Hobbit é um desses blockbusters que vieram para puxar fila. Além disso, tal como o romance que o originou, o longa tem uma linguagem mais popular e amena, para conquistar também o público infantil, procurando evitar alguns excessos cometidos em O senhor dos Anéis, como violência em demasia e tramas e sub-tramas complexas.
Personagens
Os fans da saga do anel se sentem respeitados logo no início, onde um Frodo (Elijah Wood) ainda inexperiente em aventuras interage com seu tio Bilbo Bolseiro (Iam Holm) enquanto este escreve em seu livro as suas primeiras aventuras há 60 anos atrás. Em seu primeiro encontro com Gandalf, o Cinzento (Ian McKellen), o excêntrico mago convida o então mais moço hobbit a participar do que seria a maior aventura de sua vida, ajudar 13 anões a recuperar o reino de Erebor do domínio do dragão Smaug. Entre eles Gloin (Peter Hambleton), pai de Gimli, Balin (Ken Stott), filho do senhor de Mória e estimado primo de Gimli, e o valoroso guerreiro Thorin - Escudo de Carvalho, líder dos anões, todos eles encontrados mortos e arrancando lágrimas de Gimli nas profundezas de Mória em A Sociedade do Anel, e um dos grandes méritos do longa é exatamente a lembrança carinhosa da trilogia anterior. Acertando em cheio a produção trouxe de volta personagens queridos como Galadriel (Cate Blanchett), Saruman, o Branco (Christopher Lee) e Elrond (Hugo Weaving) para matar a saudade e sustentar a ligação entre as duas trilogias, personagens que entre outras coisas não são afetados pelo fator tempo. Bilbo, por sua vez, está muito bem representado em sua versão mais jovem por Martin Freeman (O Guia do Mochileiro das Galáxias), pacato e tradicional hobbit que acaba se metendo numa jornada que mudará sua vida para sempre, quase o tempo todo se perguntando se devia estar lá, desacreditado e sendo cobrado a superar seus limites, estreitando com competência o laço de identificação entre o personagem e o espectador de qualquer idade. Sem contar personagens que tiveram a chance de brilhar, como o mago atrapalhado Radagast, o Castanho (Sylvester McCoy), amante da natureza e que acaba sendo de importante serventia para os personagens principais. Mas depois de Gandalf, o personagem revivido que mais merece destaque é Gollum, reproduzido outra vez através de captura de movimento pelo britânico Andy Serkis. Personagem querido e de vital importância no universo de Tolkien, conquistou muitos fans ao longo dos últimos onze anos e teve a chance de brilhar novamente, terminando por roubar a atenção destinada ao ato final do filme. Em uma merecida participação aprimorada, um Sméagol ainda mais humanizado protagoniza uma divertida sequencia com Bilbo, com direito a um jogo de charada tal como descrito nos livros da maneira que faltava para explicar como Bilbo adquirira o anel, com o perdão em voltar atrás caso em A Sociedade tenha sido sugerido outra coisa.
Até quem não leu o livro pode confiar que a adaptação é bem fiel. A julgar pelo tempo da projeção que permite apresentações enfadonhas, como é o caso da chegada dos anões à casa de Bilbo, passando um bom tempo comendo, bebendo e fazendo a maior bagunça, embora a sequencia rendesse momentos cômicos. Apesar disso, o ritmo da aventura não é quebrado quando resolve começar, pelo contrário, a duração apenas permite que mais e mais elementos narrativos sejam encaixados. As canções dos personagens, tão comuns nos livros de Tolkien, puderam agora ser entoadas pelas vozes dos anões, e seguindo à risca essa tradição as produções se transformariam quase em filmes musicais. Porém, a quantidade de personagens principais não permitiu uma profundidade razoável para cada um deles, restando para Thorin - Escudo de Carvalho assumir a real representação dos anões. Às vezes esquecemos que eles estão em número tão grande, só lembrando que são treze quando Gandalf faz questão de contar todos eles após passarem por apuros. Como de praxe em filme de aventura que conduz uma comitiva tão volumosa, era de se esperar que um ou outro tivesse um destino trágico nem que fosse para dar uma dose a mais de realismo, contudo, até mesmo por se tratar de uma obra ''mais família" não há morte entre os mocinhos e todos escapam ilesos não importando a dimensão do perigo. Desse modo a comitiva dos anões, esquecendo um pouco de Bilbo e Gandalf, acabam tornando-se uma massa volumosa e sem personalidade, tal como a multidão de orcs que assemelham-se à formigas, esses sim podendo ter mortes horrendas, afinal, são ''feios e malvados", ainda que sem fazer muita sujeira. Mesmo assim é interessante ver como se deu início a rivalidade entre anões e elfos, tão pouco explicada na trilogia da década passada.
Dos momentos mais tensos merece destaque a luta entre os gigantes de montanha enquanto a comitiva atravessava uma delas, e mesmo com algumas perguntas no ar sabemos que muita coisa está por acontecer, e já podemos aguardar com satisfação só de imaginar que A Desolação deve fazer jus ao primeiro capítulo da saga, e se ainda lembrarmos que Smaug, o Sauron do momento, sequer mostrou o significado de sua existência. A nova trilogia não deixa motivos a reclamar, não para os fans dos tempos da saga do anel. Ainda podemos reviver o universo de Tolkien até enjoar. Não era isso que queríamos?
Nenhum comentário:
Postar um comentário